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‘Sempre fomos um órgão de Estado’, diz presidente do Coaf

Roberto Leonel diz que conselho cumpre a lei ao comentar declaração de Jair Bolsonaro sobre caso envolvendo Flávio

Por Ricardo Brandt

O novo presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel de Oliveira Lima, defende a atuação do órgão afirmando que ele age dentro da legalidade ao produzir relatórios de informação sobre movimentações suspeitas e que não é responsável por investigações.

Em entrevista ao Estado, no gabinete ainda em arrumação, em Brasília, Leonel – como é conhecido – se recusou a comentar casos específicos. Relatórios do conselho apontaram movimentações atípicas de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, seu ex-assessor na Assembleia Legislativa no Rio.

Ex-chefe da inteligência da Receita Federal em Curitiba por 22 anos e ex-membro da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o atual presidente do Coaf defende que o Brasil segue um padrão mundial de monitoramento e prevenção a crimes financeiros. Dentro dessa sistemática, toda operação suspeita ou de comunicação obrigatória para coibir a lavagem de dinheiro é enviada ao órgão, que por lei produz relatórios dentro de uma classificação de riscos, gerando automaticamente procedimentos e informação para as autoridades de investigação, como a polícia e o Ministério Público

Leia a entrevista.

O que faz o Coaf?

O Coaf faz parte de um grande programa anti lavagem de dinheiro que vem das décadas de 1970 e 1980 em que se iniciou o combate à lavagem de dinheiro decorrente principalmente do narcotráfico, inicialmente, principalmente nos Estados Unidos. E posteriormente com a união de outros países se iniciou um efetivo combate com a Convenção de Viena, de 1988, que foi o primeiro instrumento jurídico que referia ao ilícito, a definição jurídica, da lavagem de dinheiro. A ideia era inicialmente era combater a lavagem de dinheiro do narcotráfico. Depois os países se unificaram e criaram uma força-tarefa internacional chamado Gafi, e esse grupo de atuação financeira criou as conhecidas 40 recomendações, que é como um marco mundial. Dentro dessas 40 recomendações há a criação de um órgão central em todos os países que recebe informações de alguns agentes econômicos e especialmente o sistema financeiro, de operações suspeitas de lavagem de dinheiro. Esse órgão de inteligência financeira, o Coaf, é uma recomendação mundial para os países. A partir do momento que esse órgão recebe as informações ele, no caso do Coaf, temos a obrigação de analisar os casos de maior prioridade dentro da nossa análise de risco e comunicar os casos que são prioridades. Então o Coaf reúne essas diversas comunicações que vêm de alguns entes listados na Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998), que trazem informações do que é suspeito, valores e pessoas que interviram naquela ação.

O Coaf investiga pessoas?

O Coaf não investiga pessoas, é errado dizer que ele investiga. Como o nome já diz é uma unidade de inteligência financeira, ela reúne informações que vêm dos entes obrigados a comunicar, que são o sistema financeiro, lojas de bens de luxo, factorings, em um banco de dados único. Quando elas têm indícios fortes (de lavagem) juntamos com outras pesquisas que fazemos. Mas não é uma investigação, mas sim uma análise financeira comparativa. Cruzamos com informações de outros sistemas, são mais de 70 bancos de dados conveniados, com denúncias que eventualmente recebemos, consultas a processos em andamento, notícias de mídia. Reunimos tudo e produzimos um conhecimento. A produção desse conhecimento da nossa inteligência financeira é unicamente o Relatório de Inteligência Financeiro, o conhecido como RIF.

Essa forma de monitorar possíveis crimes financeiros é uma ‘jabuticaba’ brasileira, como dizem?

Não, é um padrão mundial. Cada país tem sua unidade de inteligência, uns com poder um pouco maior outros menor, mas todos dentro de uma mesmo sistema. Algo que não é de agora, vem da Convenção de Viena, quando o Estado entendeu que sozinho não conseguia combater os crimes financeiros e que era necessário engajamento dos setores, que são os entes obrigados a comunicar as operações financeiras e comerciais. E que era preciso um órgão central responsável para receber, analisar e disseminar essa informação. Esse órgão central é a unidade de inteligência financeira. O Brasil segue um modelo mundial de inteligência.

Qual recado o sr. daria para quem movimenta dinheiro ilícito e não quer cair no radar do Coaf?

O que interessa é o contrário. A pessoa ter uma atividade lícita e não se preocupar. Se ela levar esse recurso (ao banco), ainda que em espécie, para uma operação regular, declarar espontaneamente qual a origem lícita e não procurar saída alternativa para depositar ou gastar um dinheiro obtido de maneira ilícita. Quem não deve, não teme.

Houve intenção do Coaf de analisar movimentação financeira da família Bolsonaro?

Não, de maneira alguma. Primeiro não falamos de casos específicos. Mas não investigamos. Quando o Coaf recebe uma comunicação de operação suspeita, atípica ou comunicação automática, entra em uma matriz de risco nossa e dentro de um intercâmbio de informações ou consultas a outras sistemas que nós verificamos que há uma investigação corrente em determinado local, nós produzimos um relatório de inteligência financeira. Esse relatório comunica à autoridade de persecução penal operações suspeitas ou automáticas. Cabe a ela verificar se aquela operação suspeita é uma operação ilícita ou lícita promovida por aquele agente.

Agora, se uma pessoa tem bastante comunicações, de vários entes, valores expressivos, bastante divergência entre renda, isso é cadastrado e dá uma pontuação de risco e prioridade. É o que determina no nosso sistema a elaboração de um RIF. E ele é direcionado a quem deve investigar ou não. Então muitas vezes somos provocados por essa análise de risco que recebemos e fazemos uma análise auxiliada por consulta de banco de dados, consulta da capacidade econômica da pessoa comparativamente e baseado nas comunicações que as instituições financeiras informam. Tudo é feito pelos sistemas. A parte humana entra no final. O modelo de RIF é automático. O analista vai observar o caso só a partir do momento em que o sistema, pelos algorítimos de inteligência, detectar os sinais. Quando ele detectou os sinais e jogar para a análise humana, aí vai começar o cruzamento de dados com outros bancos de dados conveniados. Vamos ver se antecedentes criminais, se tem carro, moto, avião, imóveis, se é servidor público.

O Coaf quebrou ilegalmente sigilo de investigados?

Não, todo esse processo foi bem construído desde a lei de 1998, que diz que o Coaf é uma autoridade que recebe as informações, as comunicações de operações suspeitas, reúne, analisa, compara com outros bancos de dados, notícias, denuncias e tem a obrigação de disseminar a informação.

O presidente Jair Bolsonaro já falou em quebra indevida de sigilo ao comentar o caso do filho Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz…

O Coaf sempre esteve tranquilo em relação ao cumprimento da lei e sempre fomos um órgão de Estado. Cumprimos nossa atividade de maneira técnica, tentando em função das milhares de informações, dentro de uma análise tecnológica de análise de risco com softwares de última geração. E essa é a forma de trabalho que está sendo mantida e será aprimorada nos próximos anos.

O Banco Central abriu consulta para uma nova resolução que altera critérios sobre comunicação de operações suspeitas? A exclusão de análise de pessoas ligadas a políticos chegou a ser posta, o sr. concorda?

A definição de pessoas expostas politicamente dobrou recentemente. Esse conceito está sendo incorporado nessa minuta. Obviamente os parentes e as pessoas que relacionam com as pessoas politicamente expostas têm que estar em um grau de risco ou com uma observação bem maior do que uma pessoa comum. Se você tem uma pessoa exposta politicamente e tem um parente, ela não é PEP, como se diz, mas é alguém que se relaciona com uma pessoa exposta, então o grau de risco que se põe em cima dela tem que ser igual. O Banco Central já informou que vai ressaltar isso.

O que mudou no Coaf com o novo estatuto criado por decreto do presidente Bolsonaro ?

Foi mais para adaptar o estatuto anterior, que estava defasado. Foi uma atualização para chegarmos em um modelo que progrediu de forma de trabalho. Isso ficou bem claro quando iniciamos nossas conversas aqui para migração (do Ministério da Fazenda) para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Precisava mudar estrutura, dividir uma secretaria que fazia ao mesmo tempo a inteligência financeira e a supervisão dos entes obrigados. No caso dos bancos, é o Banco Central que edita resoluções para verificação de suspeitas de lavagem, mas quem recebe a informação é o Coaf.

O BC estipula para os bancos e instituições financeiras quais são as sugestões de verificação de operações sugestão de valores de informação que devem ser tomadas automaticamente, um dos principais elementos que recebemos aqui, praticamente 95% das nossas comunicações de operações suspeitas são comunicações automáticas. Aquela em que um determinado cliente vai ao banco, ou faz um saque, ou faz um depósito, ou faz um provisionamento de saque, em espécie de valor acima de R$ 50 mil. Esse tipo de comunicação independe de qualquer analisa da suspeição ou não da operação. Ela vai ser registrada no nosso banco de dados como uma operação automática, uma operação em espécie, não é uma comunicação de operação suspeita.

A comunicação de operação suspeita ela é uma comunicação que depende da análise de vários fatores de risco da pessoa que está atuando na operação e da forma como ela está pagando ou recebendo. Uma loja de veículos que a pessoa chega para comprar um carro e leva cheque de terceiros, ou paga em dinheiro. A loja, por resolução do Coaf, precisa comunicar.

O Coaf foi previamente consultado pelo BC sobre a minuta sob consulta de mudanças nos critérios para comunicação de operações suspeitas?

Toda mudança de norma é discutida de maneira coordenada, com todos os componentes do conselho, que são a Procuradoria da Fazenda, o Banco Central, a Polícia Federal entre outros. Quase todas as normas que são editadas ou colocadas em consulta pública, como essa, temos conhecimento. O Coaf acompanha desde o ano passado. O órgão fez uma alteração no ano passado pela Resolução 29.

Mas qual sua avaliação sobre as alterações propostas, como acabar com comunicação obrigatória de valores acima de R$ 10 mil?

O supervisor conhece o mercado que está supervisionando, que no caso é o Banco Central. Se ele quer transferir para os bancos para que eles observem com maior atenção toda e qualquer operação, não somente aquelas que eventualmente teriam um limite inferior a R$ 10 mil, tem que ser analisado. O que o Banco Central está trazendo para a discussão é que ele está aprimorando os mecanismos de avaliação de risco. Imagina que eu sou um cliente cumpridor da lei e saco R$ 2 mil, o Fernandinho Beira Mar saca R$ 200. Qual operação tem mais risco de ser algo ligado ao crime? Esse é o sentido dessa mudança. O valor de R$ 10 mil não faz diferença. A questão do valor, se tem que ter um valor, vai ser discutida, mas o importante é avaliação de risco nos bancos. O que o Banco Central informou é que está aberto a discutir o tema.

Mas o Coaf não foi previamente consultado, o órgão tomou conhecimento quando a proposta foi tornada pública..

A autonomia é deles. Embora sejamos uma unidade de inteligência única, central, quem tem setor econômico regulado, tem prerrogativa legal de também disporem de regras de combate à lavagem de dinheiro.

Foi constituído nesta segunda-feira um grupo de trabalho para tratar do tema. Temos um prazo de 30 dias para apresentar nossas conclusões ao ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro.

O Coaf tem 37 servidores e produziu 7 mil relatórios em 2018. O órgão precisa crescer?

Precisa crescer e é uma determinação do ministro Sérgio Moro, de melhorar a quantidade de pessoas e também melhorar os sistemas e as análises de riscos. Não focamos unicamente em pessoas, mas sim também em aparato tecnológico.

Fonte: Estadão, em 30.01.2019.