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Lei Anticorrupção aplicada localmente?

Por Gustavo Ungaro1

A corrupção está entre as principais mazelas percebidas pelos brasileiros, pois subtrai recursos escassos de políticas públicas e investimentos estatais para fortunas ilícitas em paraísos fiscais, compromete a saudável competição entre empresas privadas, favorece quem não possui freios éticos, encarece as contratações, viola a legalidade – e coloca em risco a própria democracia, quando a propina é utilizada como fator de apoio político e compra de votos.

Para enfrentar esse problema, é preciso ampliar a transparência, aperfeiçoar os controles e incentivar a participação social – dentre outras medidas na seara preventiva – e também responsabilizar corruptos e corruptores, tanto as pessoas físicas envolvidas como as pessoas jurídicas – no campo sancionatório. E aqui está a novidade do instrumental jurídico disponível para a relevante tarefa: a Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013). 

Apregoada em convenção internacional, inspirada pela prática norte-americana de 5 décadas e aprovada pelo Congresso Nacional após clamor popular, a necessidade da aplicação de pesadas sanções pecuniárias às empresas que pratiquem atos ilícitos disseminou-se entre as nações e está formalmente presente no ordenamento jurídico das principais democracias do mundo, como modo relevante de se buscar coibir instituições corruptoras, incentivando práticas limpas e salvaguardando valores caros à sociedade.

A norma brasileira conferiu competência ampliada à Administração Pública, ao estipular o cabimento de processo administrativo de responsabilização de pessoa jurídica, sem necessidade de providências judiciais, a não ser para algumas das hipóteses punitivas mais gravosas, como a extinção da empresa que se revele contumaz corruptora.

Assim, para os efeitos sancionatórios gerais se concretizarem, revela-se desnecessário o apelo ao Poder Judiciário, seja para a imposição de multas, para a declaração dos valores a serem ressarcidos ao erário lesado ou para a publicação da decisão desabonadora, tudo podendo ocorrer após o devido processo na esfera administrativa federal, estadual e – frise-se – municipal, respeitado o contraditório e a ampla defesa, como exige o Estado Democrático de Direito.

Na maior cidade brasileira, a Controladoria Geral do Município acaba de aplicar tais punições a empresas que forneceram notas fiscais falsas, sem terem prestado os correspondentes serviços, desviando os recursos envolvidos e causando prejuízo milionário, que agora terá que ser ressarcido.

Outros processos foram recentemente instaurados, e, do total de 43 sanções já aplicadas em todo o país, registradas no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, 10 foram decorrência das providências adotadas pelo controle interno da metrópole paulista.

Para ser possível colocar em prática a regra vigente, o primeiro passo percorrido deve ser a regulamentação, por Decreto do Chefe do Poder Executivo, estipulando atribuições e detalhando procedimentos. Contudo, como vários Estados e Capitais ainda não fizeram isso, as Controladorias brasileiras produziram uma minuta-padrão que pode ser aproveitada pelos entes federativos, disponível pela internet (www.conaci.org.br), havendo também uma cartilha para a aplicação da lei elaborada pelo Fórum Paulista de Combate à Corrupção (http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/Cartilha_ANTI_corrupcao.pdf).

Franco Montoro sempre lembrava que o cidadão não vive na União nem no Estado, e sim no Município, onde a intensidade da cidadania é maior, e tudo está mais próximo e presente. Somente com o enraizamento das práticas de integridade e com a efetividade local das medidas anticorrupção será possível transformar a realidade e fazer prevalecer a cultura ética.

1Gustavo Ungaro, bacharel e mestre em Direito pela USP, professor de Ensino Superior, controlador-geral do Município de São Paulo, Secretário Executivo do Fórum Paulista de Combate à Corrupção (Focco/SP) e Membro Titular do Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci).

Fonte: Estadão, em 1512.2018.