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Governança do processo de investimentos dos fundos de pensão

Por Profa. Arlete de Araújo Silva Nesse e Prof. Otávio Lobão de Mendonça Vianna (*)

Artigo identifica o comitê de investimentos como passo ao aprimoramento da governança dos fundos de pensão no Brasil

Os fundos de pensão estão entre os principais investidores de longo prazo em uma economia de mercado. No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP) de dezembro de 2022, os fundos de pensão tinham ativos no montante de R$ 1,2 trilhão, o que equivale a aproximadamente 11,7% do PIB.

O objetivo de um fundo de pensão é buscar assegurar o pagamento futuro de benefícios aos seus participantes, oferecendo uma trajetória de vida - e de consumo - previsível. 

Para isso, o fundo de pensão (i) recolhe contribuições dos participantes e patrocinadores, (ii) realiza o pagamento de benefícios aos participantes que já adquiriram esse direito, e (iii) faz a gestão de um patrimônio formado pelas contribuições já realizadas no passado. Pela sua relevância econômica e social, entendemos ser importante discutir e propor mudanças para aperfeiçoar a estrutura de governança da gestão de investimentos dessas organizações. 

Nos termos da legislação, o Conselho Deliberativo (CD), instância máxima na governança de um fundo de pensão, aprova anualmente uma política de investimentos que orienta a alocação de capital do plano de previdência. Essa política estabelece, dentre outras informações, o nível das alçadas de decisão de alocação dos recursos do plano. 

Tipicamente, o CD é a instância responsável pelas decisões estratégicas – escolha da carteira de referência (benchmark) e dos limites de risco –, ficando a Diretoria Executiva (DE) responsável pelas alocações táticas – implementação da carteira efetiva por meio de investimentos em ações, títulos de renda fixa, fundos de investimento etc. – dentro dos limites definidos pelo CD. 

A lógica subjacente é que o CD, composto por membros indicados pelo patrocinador e eleitos pelos participantes, ao estabelecer uma carteira de referência e um limite de risco que refletem as restrições e a propensão a risco dos participantes, define o espaço para a atuação da DE; esta, por sua vez, por estar mais próxima do mercado de capitais e possuir maior expertise na análise dos instrumentos financeiros, implementa a carteira efetiva de investimentos respeitando o espaço definido pelo CD. Nesse desenho, a prestação de contas (accountability) é bem definida: o CD é responsável pela performance da carteira de referência em relação ao passivo; e a DE é responsável pela performance da carteira efetiva em relação à carteira de referência (benchmark da gestão de investimentos).   

No entanto, não é incomum ter políticas de investimento transferindo decisões táticas de alocação de capital da DE para a esfera do CD. Por um lado, parece razoável que decisões que levem à maior assunção de risco recaiam sobre a instância máxima de um fundo de pensão; por outro, estamos: (i) exigindo dos seus membros um conhecimento de mercado de capitais e uma expertise dos instrumentos financeiros que muitas vezes não está presente; e (ii) tornando opaco o accountability, uma vez que o CD passa a dividir com a DE a responsabilidade para a implementação da carteira efetiva. 

Com efeito, decisões de investimentos, ainda que analisadas e recomendadas pela DE, estão sendo efetivamente tomadas por uma instância sem a expertise necessária para entender essas análises, o que compromete a eficiência da gestão dos ativos dos planos. 

Como tornar a governança do processo de investimentos dos fundos de pensão mais robusta? Um primeiro passo seria a obrigação regulatória para a constituição de um Comitê de Investimentos (CI) ligado diretamente ao CD e independente da DE. O CI teria como atribuição dar suporte ao CD nas decisões de alocações táticas, funcionando como uma instância técnica adicional de análise das propostas encaminhadas pela DE. 

Há evidências para a indústria no Brasil de que a adoção do CI proporciona retorno superior ajustado a risco em relação aos fundos que não utilizam. Adicionalmente, o CI teria o papel de dar suporte técnico ao CD na análise dos estudos de alocação estratégica dos ativos com base no passivo ou ALM, para definição da carteira de referência e do limite de risco que orientam a alocação tática. 

Esses estudos de ALM envolvem análises sofisticadas do mercado financeiro, utilizando modelos de otimização, premissas de prêmios de risco, estimações de correlações entre classes de ativos etc., o que exige grande expertise para a realização de uma análise profunda. O suporte de um CI técnico e independente contribui nessa análise. 

Por fim, ainda que seja um passo importante em relação à situação atual dos fundos de pensão no Brasil, a constituição somente do CI não endereça o problema de accountability criado pela sobreposição de papéis entre o CD e a DE na implementação da carteira efetiva. 

É importante definir espaços claros de atuação dos colegiados de governança de modo a permitir uma avaliação mais precisa da performance de cada um por parte de patrocinadores e participantes dos planos. Nesse sentido, um segundo passo para aperfeiçoar a governança seria a efetiva separação entre as decisões estratégicas, a cargo do CD e com suporte do CI, e táticas, a cargo da DE. voltaremos a esse tema em artigo próximo. 

 ¹De acordo com a Lei Complementar no 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências., (2001).

 ²A carteira de referência, definida a partir de um estudo de Asset Libility Management (ALM), estabelece as alocações estratégicas das classes de ativos que endereçam a solvência de longo prazo do plano.  

 ³Conforme resultados obtidos em pesquisa acadêmica com dados de fundos de pensão obtidos em demonstrações contábeis auditadas de 2004 a 2015 de 263 EFPC. Tese de doutorado de Nese. A.A.S. (2017), disponível em site: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-13062017-162106/publico/CorrigidaArlete.pdf 

(*) Profa. Arlete de Araújo Silva Nese, doutora pela FEA USP, é membro da Comissão de Finanças e Contabilidade do IBGC e sócia-diretora da ON Valor Relações com Investidores.

(*) Prof. Otávio Lobão de Mendonça Vianna é economista pós-graduado pela UFRJ; foi diretor financeiro e de crédito e Tecnologia do BDMG e diretor financeiro e de crédito do Desenvolve SP.

Fonte: IBGC, em 12.06.2023