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Investigação corporativa: o cliente pode interferir no resultado?

Por Adriel Santana (*)

Uma investigação corporativa conduzida por uma empresa especializada inevitavelmente esbarrará, cedo ou tarde, com uma situação que tende a gerar certo incômodo, mas que é natural em qualquer trabalho que seja de meio, não de fim: o resultado entregue não agradou o cliente.

No caso de investigações que simplesmente não foram encontrados indícios ou provas ligadas à denúncia ou à suspeita que lhe deu origem, uma das opções mais comuns é ampliar o escopo inicial, utilizando até outras ferramentas de apuração que estejam à disposição.

Porém, há um cenário muito mais delicado: quando a investigação encontra muito mais evidências do que o esperado, não necessariamente sobre o seu escopo inicial e investigados, mas envolvendo outras pessoas e ilícitos cometidos. Em alguns casos, essas provas podem envolver pessoas em cargos maiores que os investigados inicialmente. Esta situação pode provocar um caso no qual os pesquisadores se encontrem em posse de evidências potencialmente prejudiciais ou embaraçosas, direta ou indiretamente, ao seu cliente ou pessoas próximas vinculadas a ele.

Antes de estudar potenciais soluções para esses casos específicos, é importante revisitar a natureza do trabalho realizado por uma consultoria que conduz investigações empresariais. Afinal, ela trabalha pelo cliente ou para o cliente? Em outras palavras, ou a consultoria deve agir e entregar resultados alinhados com os interesses e objetivos do cliente ou o seu serviço não implica num compromisso de atuar em prol de um resultado que seja favorável a quem a contrata.

Se examinarmos o exemplo de um advogado, é evidente que se trata de um profissional contratado para atuar em defesa dos interesses do seu cliente. Nessa condição, seu objetivo primordial influencia diretamente na sua forma de atuar. Ou seja, ele deve selecionar, desta maneira, quais provas e recursos são interessantes ou não de utilizar num julgamento, visando sempre o melhor resultado para o seu cliente.

Por outro lado, os peritos e técnicos não possuem esse compromisso de resultado com interesses particulares previamente definidos. Pelo contrário, seus trabalhos e ferramentas utilizadas são orientadas principalmente para encontrar a verdade, independente dela ser agradável ou desagradável para aqueles que os financiam ou contratam seus serviços. Isso implica dizer, portanto, que seus compromissos profissionais se restringem a atuar para descobrir, na medida do possível, a verdade sobre algum evento ou fato.

Diante dessa diferenciação, se compreendermos que o trabalho de um investigador está mais próximo de um advogado, então a resposta sobre a interferência nos resultados envolve, por exemplo, requisitar que uma evidência do relatório da investigação seja excluída da investigação. Como é o interesse do cliente que determina o agir do serviço visando um fim, então a conduta do investigador e tudo que ele produz deve estar alinhando com essa finalidade.

Contudo, se entendermos que a investigação corporativa é um serviço similar ao de peritos como quaisquer outros, sendo estritamente técnica, então o pedido de um cliente para expurgar informações de um relatório final se torna altamente problemático.

Há, claro, uma exceção nessa situação conflituosa. Por exemplo, o pedido de exclusão de um dado do relatório que está fora do escopo previamente definido para o serviço. Nessa situação, parece haver sentido contratual para uma exigência do tipo. Mesmo sendo um técnico, o investigador atua dentro de um escopo alinhado diretamente com seu cliente. Uma prova encontrada no curso do trabalho, por mais crítica que seja, se não estiver alinhada diretamente com o escopo definido no começo do serviço, está fora do que o investigador foi previamente contratado para apurar.

O ponto realmente complicado é quando a evidência encontrada está ligada ao escopo definido. Nessa situação, a atitude profissional mais correta é não ceder ao pedido do cliente. Ao permitir que o seu trabalho possa ser modificado para agradar ou atingir certos interesses, prejudicando ou de qualquer forma escondendo dados ligados ao caso concreto, a credibilidade do investigador como prestador de um serviço técnico pode ser totalmente minada e, consequentemente, quaisquer outros serviços futuros estarão sob suspeita.

Sob um olhar externo, o material elaborado por uma consultoria de investigação é julgado em torno de uma pergunta: o relatório apresentado reflete o que realmente foi encontrado e concluído pelos especialistas ou apenas contém o que está alinhado com os interesses daquele que contratou o serviço? Se a resposta se inclinar para a segunda opção, então qualquer investigação, por mais técnica que pareça nos métodos empregados, perde sua força como meio de convencimento para provar o que se pretendia inicialmente.

(*) Adriel Santana é advogado e coordenador de Forense e Investigações Empresariais na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.

05.07.2021