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O papel do auditor independente na prevenção e investigação de fraudes

Por Valdir Coscodai (*)



A edição de 2020 do "Relatório das Nações - Estudo global" da ACFE (Association of Certified Fraud Examiners / Associação de Examinadores Certificados de Fraudes), dos Estados Unidos, reportou 2.504 ocorrências, em 125 países, significando perdas de US$ 3,6 bilhões. Estima-se que o problema provoque prejuízo anual equivalente a 5% do faturamento das empresas. Os números reforçam a premência do atendimento às exigências crescentes dos reguladores, stakeholders e da sociedade quanto à lisura das organizações e à confiabilidade das demonstrações financeiras.

Prevenção e investigação de ocorrências são responsabilidades diretas dos gestores nas empresas. Ao auditor independente cabem os deveres do permanente ceticismo e - ao obter informações relativas a suspeitas de transações indevidas que sejam significativas ou possam causar distorção relevante nas demonstrações financeiras - de comunicar aos dirigentes, discutindo com eles a natureza e extensão dos procedimentos necessários em cada caso.

Alegações de atos de não conformidade ou de fraudes perpetradas por dirigentes e/ou funcionários-chave, principalmente, mas não se limitando a situações ligadas a ações iniciadas por autoridades, demandam rápida ação do Conselho de Administração. Este pode constituir um comitê de investigação, formado por profissionais especializados e independentes, objetivando buscar respostas e o encaminhamento de uma investigação eficiente, envolvendo trabalho multidisciplinar.

As empresas são obrigadas a comunicar formalmente aos reguladores determinadas fraudes ou atos ilegais, obedecendo certos prazos: três dias para o Banco Central; 10 dias para Previc e Susep. Os dirigentes também devem comunicar formalmente os casos ao auditor e ao Comitê de Auditoria em 24 horas e, adicionalmente, as normas desses reguladores demandam que o auditor independente, o auditor interno e o Comitê de Auditoria devem manter, entre si, comunicação imediata. No caso da CVM, as companhias devem divulgar fato relevante ao mercado.

A investigação numa empresa geralmente abrange cinco aspectos: identificação dos atos ou alegações; pessoas envolvidas; controles internos; livros e registros; e divulgações em notas explicativas. Exige a busca diligente de evidências de atos e fatos e a avaliação crítica das informações. Existindo alegações ou suspeitas de fraudes ou atos ilegais, o risco de auditoria aumenta e, consequentemente, maior deve ser a quantidade e a qualidade das evidências necessárias para o auditor, para que observe se o conjunto das demonstrações contábeis está livre de erros, em todos os aspectos relevantes.

Portanto, na prática, o auditor deve acompanhar a investigação desde o início, quando a equipe responsável por esta ação define o escopo, a fim de expor seus pontos de vista e necessidades. Envolvê-lo no meio ou final do processo pode acarretar a necessidade de retrabalho e atrasos em cronogramas. O profissional acompanha o desenvolvimento dos trabalhos, discute com os investigadores as informações coletadas e se reúne com o Conselho de Administração e/ou Comitê de Auditoria, para observar suas conclusões.

Um trabalho investigativo apresenta três principais desafios: a equipe responsável não tem poder de polícia; o caráter sigiloso de informações; e a tempestividade e o peso dos julgamentos e decisões tomados em uma investigação. São necessárias evidências e fundamentações, pois devem ser consideradas as expectativas das autoridades que detêm uma ampla gama de informações adicionais, bem como os olhos dos tribunais, reguladores, auditores e outros terceiros interessados, tais como a imprensa, que podem, posteriormente e com o benefício da revelação de outras ou novas informações, julgar a investigação realizada anteriormente.

Ao término do processo, o Conselho de Administração deverá buscar no comitê de investigação as conclusões e seus fundamentos, para que possa aprovar (neste caso, explicita a concordância com sua suficiência) ou solicitar dados adicionais. O auditor independente buscará averiguar as aprovações feitas e as decisões tomadas, de modo a determinar o impacto em seu relatório de auditoria.

No caso de investigações em curso, dependendo das circunstâncias, a diretoria e/ou o Conselho de Administração podem optar por atrasar a divulgação das demonstrações contábeis, até a conclusão do processo, ou responder prioritariamente a questões relevantes. Tal decisão, porém, é um dilema. Por um lado, têm o dever legal e estatutário de preparar demonstrações financeiras e efetuar divulgações em notas explicativas livres de erros, sob pena de posteriores questionamentos de reguladores e outros. Por outro lado, o adiamento de divulgação pode provocar queda no preço das ações, não cumprimento de cláusulas de empréstimos, restringir o acesso aos mercados de capitais ou, ainda, prejudicar a credibilidade ou causar incertezas complexas de se administrar, ainda mais acentuadas no caso de instituições financeiras.

O auditor independente também enfrenta um desafio complexo quando necessita emitir opinião sobre as demonstrações contábeis em andamento. Nessas situações, exerce julgamentos críticos quanto aos cinco aspectos anteriormente citados (atos, pessoas, controles internos, livros/registros e notas explicativas). As normas de auditoria orientam as decisões a serem tomadas, mas o julgamento profissional é indelegável.

O aumento das exigências de compliance pela sociedade e investidores, o cenário cada vez mais competitivo e, sobretudo, o imperativo de se consolidar um ambiente de negócios transparente e permeado pela ética e lisura multiplicam a necessidade de as empresas redobrarem a prevenção, o combate e a reparação de fraudes. Nesse contexto, os auditores independentes cumprem missão relevante, evidenciando o caráter de defesa do interesse público que caracteriza sua profissão.

(*) Valdir Coscodai é presidente do Ibracon - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil.