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Transparência corporativa tem que ser pra valer

Consultor da Transparência Internacional no Brasil explica como abusos corporativos podem prejudicar comunidades 

Por Guilherme Donega (*)

Empresas são essenciais para a economia. Geram riquezas, tecnologias e soluções, mas quando se desviam dos princípios que deveriam reger suas atividades podem prejudicar de forma irreparável as comunidades ao seu redor. As práticas de transparência corporativa — “publicações voluntárias ou mandatórias feitas por empresas para seus públicos internos e externos” — buscam evitar que ocorram abusos corporativos, incentivando a observância da responsabilidade perante diferentes stakeholders.

O tema transparência corporativa não é novo. Foi por volta de 1900 que a divulgação de informações financeiras começou a ser exigida de empresas. Apesar disso, ela ainda é assimetricamente mais abordada na sua faceta pública do que na privada. Em razão disso, por exemplo, o leitor provavelmente conhece a doutrina do governo aberto e a Lei de Acesso à Informação. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a aplicação dos princípios da transparência, integridade, accountability e participação social no poder público fortalece a democracia e apoia a inclusão social.

Mas e o setor privado? Empresas não são eleitas para exercer seu poder econômico. Por que devem explicações? A resposta é simples: é porque é em harmonia com a população que o setor privado busca seus objetivos. A produção de bens de consumo, por exemplo, gera empregos nas comunidades que cercam as indústrias. 

Cada vez mais esse tipo de stakeholder importa. O grupo Business Roundtable, que reúne os CEOs de quase todas as grandes empresas americanas, acaba de reeditar sua definição do termo “propósito corporativo”: o interesse do acionista deixa de ser o guia exclusivo. Passa a ser tão crucial quanto a busca de um ambiente que sirva também a consumidores, funcionários, fornecedores, comunidades e investidores de longo prazo. Isso significa que o executivo deve também considerar seus impactos em outros públicos que não exclusivamente os investidores. O quanto a decisão impacta as comunidades ao seu redor e seus funcionários?

A prestação de contas por empresas permite que a sociedade apure se as práticas de determinada companhia estão alinhadas com as suas expectativas. Qualquer pessoa passa a ser um auditor em potencial. 

Acionistas minoritários acessam, revisam e questionam publicações relevantes das companhias abertas; representantes de causas ambientais revisam informações públicas para garantir que operações com impacto no meio ambiente não excedam limites; jornalistas podem apurar melhor.

Além de facilitar o controle social, as práticas de transparência corporativa obrigam as empresas a refletir sobre como as informações que publicam dialogam com as expectativas de seus públicos, com potencial revisão de práticas questionáveis. E a transparência também ajuda a própria empresa. Estudos mostram que os benefícios envolvem ganhos de reputação perante consumidores, alta de ações, melhor pagamento de dividendos e maior liquidez.

As principais categorias de informações corporativas discutidas na literatura recente que, se publicadas, podem ser benéficas ao combate à corrupção são: informações financeiras detalhadas e auditadas; dados de atividades de responsabilidade social e anticorrupção; informações sobre fornecedores; dados societários e organizacionais; informações sobre o engajamento político de empresas.

No Brasil, para medir o desempenho das empresas no quesito transparência anticorrupção, em 2018, a Transparência Internacional Brasil publicou o estudo Transparência em Relatórios Corporativos, com o mapeamento das práticas das 100 maiores empresas e dos 10 maiores bancos com relação a divulgação de informações de combate à corrupção. O estudo analisa três tipos de divulgação: de compromissos anticorrupção, de dados societários e de dados financeiros.

Em relação a compromissos anticorrupção, as empresas brasileiras tiveram desempenho relativamente satisfatório: de 0 a 100%, a média foi de 65%. As práticas de compliance não foram avaliadas (só foram coletados os compromissos anticorrupção). Mesmo assim, para efeitos de comparação, em estudo utilizando a mesma metodologia, mas com amostragem diferente (as 100 maiores empresas baseadas em países emergentes), a nota média obtida pelas empresas lá fora foi de 48%.

Nas outras duas esferas da pesquisa as empresas brasileiras estão ainda um pouco mais distantes das melhores práticas internacionais. As notas foram, respectivamente, 48% e 3%. Uma das conclusões que podem ser extraídas da pesquisa é de que quando a transparência gera efeitos reputacionais positivos as empresas tendem a aceitá-la de forma voluntária e espontânea, mas quando a divulgação abre margem para questionamentos reais, elas ainda tendem a simplesmente cumprir a lei.

Ainda há esperança, todavia. Desde 2018, Larry Fink, CEO do BlackRock, estimula suas investidas a se perguntar: “Que papel desempenhamos na comunidade? Como estamos gerindo nosso impacto no meio ambiente?”. Desde 2017 líderes empresariais vêm debatendo no Fórum Econômico Mundial a interface entre empresas e sociedade. A lógica que começa a ser amadurecida é que empresas precisam ter outra medida de sucesso além do lucro imediato. E para entender o que é sucesso para esses novos stakeholders, o diálogo é essencial.

A regulação também tende a avançar. No Brasil, as recentes Lei 13.808/19 e MP 892/19 são exemplos do tema transparência sendo colocado em debate. A regulamentação de atividades de relações institucionais e governamentais também deve ir no mesmo sentido, estimulando a publicação de dados sobre o contato de corporações com representantes do poder público.

A transparência catalisa a simbiose entre empresa e sociedade. Permite o controle social e incentiva a autorreflexão. Mas não bastam só compromissos, a transparência tem que ser pra valer.

(*) Guilherme Donega é Advogado e consultor da Transparência Internacional Brasil. É graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem especialização em Compliance pela Fordham University, em Direito Tributário pelo Insper e em Políticas Públicas pela Escola de Governo. É candidato ao Master of Laws da New York University (NYU).

Este artigo é parte da 6ª edição da revista Análises & Tendências, com foco em cultura ética.

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Fonte: IBGC, em 09.12.2019